quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

IDEIAS de LACAN

CURSOS DE ATUALIZAÇÃO TEÓRICA

Ensino sequencial das coordenadas conceituais de Jacques Lacan, fundamentado na obra de Sigmund Freud.

Roteiro I: O RETORNO A FREUD

Leitura lacaniana de Freud

1. Inconsciente

2. Complexo de Édipo

3. Casos clínicos

4. Metapsicologia

SEGUNDAS-FEIRAS, das 20 às 22h

Roteiro II: O DISCURSO DE LACAN

Leitura freudiana de Lacan

1. Imaginário

2. Simbólico

3. Real

4. Topologia

QUARTAS-FEIRAS, das 20 às 22h

ORGANIZAÇÃO

Oscar Cesarotto

COLABORADORES:

Christian Ingo Lenz Dunker

Claudio Cesar Montoto

Daniel Miguiani

Eduardo Furtado Leite

Fani Hisgail

Luis Carlos Petry

Marciela Henckel

Michele Cukier

Paul Kardous

Pedro Luiz de Santi

Ricardo Goldenberg

Sidnei Artur Golberg

INFORMAÇÕES ideiasdelacan@bol.com.br

ou pelo telefone (11)2366-0165

Rua Cristovão de Burgos, 52 – Vila Madalena – SP - Próximo ao metrô Vila Madalena

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"O retorno a Freud" por Jacques Lacan

O ano de 1966 constitui um marco de importância na história do movimento psicanalítico. Com a publicação dos “Escritos”, o grande públicotve acesso ao pensamento de Jaccques Lacan. Tratava-se de um grosso volume de 900 páginas que reunia o essecial do produzido durante 30 anos de atividade intelectual initerrupta: artigos, conferências, lições de seminári, etc. A maior parte desse material já tinha sido publicado anteriormente em revistas esparsas, tendo se perdido de vista com o passar dos anos. Mas, com a reunião dos trabalhos num único livro, uma nova dimensão significante constituiu-se: se bem os “Escritos” não guardam uma relação estreita entre si, tematicamente, o conjunto deles evidência a coerência do esforço de Lacan na sua empresa de reformulação da psicanálise.

A partir do discurso de Roma, de 1953, Lacan tinha deflagrado o movimento de retorno a Freud. Que quer dizer isto? Após a 2ª Gurra Mundial, a psicanálise imperante em quase todos os países onde era praticada pouco ou nada guardava daquilo que Freud tinha descoberto e formalizado como ciência do inconsciente. A radicalidade dos fundamentos freudianos, por uma série de razões histórico-políticas, tinha sido eclipsada por noções ideológicas que, com o nome de psicanálise, denominavam práticas de adaptação social baseadas em parâmetros inconscientes.

Lacan, quixotescamente, atacou o “stablishment” psicanalítico da época, com o intuito de trazer de volta aquilo que era específico da prática e da teoria de Freud. Cruzada epistemológica cujo sucesso foi alcançado não sem inúmeros debates, pois a resitência que lhe foi oposta era diretamente proporcional ao grau de acomodação dos psicanalistas que, protegidos pelas hierarquias institucionais, nada queriam saber de questionamentos ou polêmicas.

Como consequência da ruptura com a Sociedade Internacional de Psicanálise, Lacan acabou fundando, em 1964, sua própria escola, assumindo, com seu discurso, a responsábilidade da transmissão da psicanálise e de formação dos analistas segundo seus critérios que , no fundo, resgatavam a originalidade subversiva de Freud. Por isso, a publicação dos “Escritos”, dois anos depois, foi fundamental: a partir daí, seus discípulos puderam se referir ao seu ensino como suporte conceitual da nova instituição, fomalizando rigorosamente.

Em relação a sua produção escrita, Lacan nunca fez concessões no sentido de facilitar sua leitura ou banalizar seu pensamento. O barroquismo do seu estilo sempre foi proposital, pois achava que os analistas deviam aprender um texto da mesma maneira que, cotidianamente, interpretavam o inconsciente dos seus pacientes. Porém, na dadta de sua publicação, era seu interesse que fossem difundidos, e por isso aceitou a entrevista que o jornalista italiano Paulo Caruso lhe propusera, para explicar, de maneira simples, quais eram as razões que sustentavam sua proposta teórica.

Nossa intensão em dar a conhecer a entrevista decorre da convicção de que o movimento de retorno à obra de de Freud, com eixo, tanto da teoria, quanto da prática psicanalítica, continua, ainda hoje, em plena vigência, sendo necessário promover, no nosso meio, os subsídios que possibilitem uma melhor definição do que seria a especificidade da psicanálise. Acreditamos ser de utilidade para o leitor dos “Escritos” esta ocasião em que Lacan, confrontado com um interlocutor inteligente, se mostrou acessível para falar sobre o que tinha escrito, situando, de forma clara e contudente, os motivos das suas preocupações teóricas.

Título da edição original: “Conversazioni com Lévi-Strauss,Foucault & Lacan”, de Paulo Caruso, Ed. Mursia, Milano, 1969; Ed. Anagrama, Barcelona, 1972
Tradução: Fani Hisgail
Introdução: Oscar Cesarotto
Revisão: C.F.


PAULO CARUSO: Primeiramente, gostaria que precisasse o sentido deste “retorno a freud”, que o senhor tanto insite.

JACQUES LACAN: Meu “retorno a Freud” significa que os leitores se preocupem em saber o que Freud quer dizer, e a primeira condição para issso, é que leiam com seriedade. E não é suficiente, porque como uma boa parte da educação secundária e superior consiste em impedir que a gente saiba ler, é necessário um processo educativo que permita reaprender a ler um texto. Temos de reconhecer que antes não se sabia fazer outra coisa, embora sejamos convictos disso: por exemplo, não é suficiente falar de método experimental para sabê-lo praticar. Dito isto, saber lerum texto é compreender o que quer dizer, perceber de que “modo” está escrito (no sentido musical), em que registro, implica em muitas outras coisas e, sobretudo, penetrar na lógica interna do texto em questão. Trata-se de um gênero de crítica que não sou o único que a pratica de maneira específica, é só abrir um livro de Lévi-Strauss para se dar conta disto. A melhor maneira de praticar a crítica sobr textos metodológicos ou sistemáticos é a de aplicar, ao texto, o método crítico que ele mesmo preconiza.
Assim, ao aplicar a crítica freudiana aos textos de Freud, descobre-se muita coisa.

P.C.: Tem algum ponto onde o senhor se sinta afastado de Freud? Por Exemplo, folheando os “Escritos”, que acabam de aparecer, vi um ensaio intitulado “Para além do princípio da realidade” ¹, que é uma paráfrase do “Para além do prícipio do prazer” freudiano; esta paráfrase, tem um matiz polêmico ou é somente uma declaração de fidelidade?

J.L.: Não. Não tem nenhum matiz polêmico, quando ler o artigo poderá ver que nele não tem nada de extrafreudiano, e a paráfrase quer por isto em destaque. “Para além do princípio de realidade” quer dizer que o Freud chama “princípio de realidade” foi entendido simplismente como “realidade”; todos sabem o que é realidade, a realidade é a realidade… Muito bem, não é assim. Prestando atenção, quando se lê Freud descobre-se que o “princípio de realidade”, acasalado com o “princípio de prazer”, não tem a ver com o princípio que aconselha a adaptação, por exemplo.

P.C.: Em todo o caso, o senhor não quer ser apenas um intérprete, um exegeta de Freud.

J.L.: Se sou ou não, são os outros que devem julgar. Para mim isto basta.

P.C.: Ler seu livro é uma empresa difícil. Inclusive os leitores melhores preparados reconhecem que algumas partes são indecifráveis. Como o senhor explica que seu estilo seja tão elíptico?

J.L.: É necessário destacar que, nas primeiras frases de minha coleção de escritos, começo falando do estilo, utilizando o slogan: “o estilo é o homem”². Evidentemente, não posso contentar-me com esta fórmula, convertida em lugar-comum pouco depois de inventada. Referida a um determinado contexto de Buffon, adquire um sentido diferente. Já naquele breve texto preliminar, dou uma indicação elíptica do que quer dizer “função de estilo jádico”, estilo que precisa da relação de toda a estruturação do sujeito em torno de determinado objeto, que é depois o que se perde subjetivamente na operação, pelo mesmo fato da aparição do significante. Chamo a este objeto que se perde de “ objeto a”, e na prática analítica intervém estruturalmente de uma maneira arrasadora, porque os analistas não podem deixar de dar uma importância capital ao que se chama de “relação de objeto”. Para a ilustração aos que nunca ouviram falar disto, podemos referir-nos a um “objeto”, o seio materno, por todos conhecido, ao menos superficialmente, pelo mesmo sentido, pelo que tem de mórbido a própria utilização da palavra “seio”: seio inchado, abundante, cheio de leite, ao construir um signo fantasmático, valoriza-se mais ou menos eroticamente. Por outro lado, esta valorização erótica do seio em si mesmo; e digo que é “misteriosa” porque se trata de um órgão que, enfim, na sua estética, pouco oferece para assumir um valor erótico particular. A análise tem esclarecido isto ao referí-lo a algumas fases do desenvolvimento, ao valor privilegiado que aquele objeto pode adquirir para o sujeito na fase infantil. Entretanto, ao referirmos a outros sujeitos igualmente conhecidos, embora menos agradáveis, toda análise da estrutura, ou seja, das constantes significantes em cuja a base encontra-se a função (que é secundária a respeito da estrutura), todas as incidências múltiplas, demosntram claramente que não se pode explicar, de maneira alguma, sua presença dominante na estrutura subjetiva, lhe atribuindo tão só um valor vinculado à gênese. Falar em “fixação”, como acontece em alguns setores particularmente retrógrados da psicanálise, não é mais satisfatório, porque chegou-se a constatar que, seja qual for a importância teórica atribuida a este conceito, segundo interesse mais ou menosa formulação teóricas (inclusive no caso de se achar muito longe da minha formulação teórica particular, que é qualificada de estruturalista), a relação de objeto revela um valor tão prevalente, de maneira consciente ou iinconsciente, que demosntra a necessidade deste objeto. Sem dúvida, não é um objeto como qualquer outro, e a dialética da objetivação e da objetividade, embora sempre vinculada à evolução do pensamento filosófico, não é suficiente para explicá-lo. De certo modo, este objeto é um objeto essencialmente perdido. E não só meu estilo em particular, senão todos os estilos que se tem manifestado no curso da história com a etiqueta de um determinado maneirismo - como teorizara Góngora, por exemplo, de maneira eminente – são formas de recolher este objeto, que estrutura o sujeito motivando-o e justificando-o. Naturalmente, no plano literário, isto exigiria enormes desenvolvimentos que por enquanto ninguém tentou; mas, no momento em que dou a fórmula mais avançada do que justifica determindo estilo, também declaro sua necessidade perante um auditório particular, o auditório dos analistas. Tenho promovido sistematicamente algumas fórmulas de estilo próprio, para não eludir o objeto, ou, mais exatamente, me sinto à vontade com elas para atingir, ao nível da comunicação escrita, o público que me interessa, que são os analistas. Esta simples colocação basta para destacar que não se trata de eludir algo, que no nosso caso específico é o complexo, ou seja, em última análise, uma carência. Em todo caso, a elipse não é o caroço deste estilo, senão outra coisa à qual nos indroduz o termo “maneirismo” que usei antes; neste estilo tem outras coisas – outros modos, independentes da elipse – e, por outra parte, não tenho nada de elíptico, embora não exista estilo que não imponha a elipse, já que é impossível, na verdade, descrever algo sem elipse. A pretensão de que “tudo fique escrito”, se fosse realizável, daria lugar à initeligibilidade absoluta. Então, não sublinho tanto esta espécie de reconhecimento que faço da relativa dificuldade do meu estilo, porque a experiência me demonstra que, por não ter conseguido formar (e este termo é exato) um auditório, eu em qualquer caso seria um auditório de praticantes, na média em que não os formei ainda para a compreensão de umas categorias que não são usuais, meus artigos podem parecer obscuros à primeira vista. Além disso, os primeiros artigos que figuram neste livro, mesmo no momento de sua primeira publicação em revistas, podiam parecer obscuros , em geral, mas alguns anos mais tarde, não só resultavam compreensíveis para todo mundo, senão, inclusive, de fácil compeensão, e se pôde observar que no fundo, contém alguma coisa que se transmite ao nível de estilo. Para mim isto é uma confirmação. Dei-lhe uma resposta difícil, pois não vejo motivo para dar outra, já que esta é exata.

P.C.: Segundo o senhor, que relação existe entre a relação de objeto e as relações entre sujeitos (ou intresubjetivas)?

J.L.: Evidentemente, aquele objeto particular que chamo objeto “a” não adquire sua incidência na intersubjetividadse senão ao nível do que se pode chamar a “estrutura do sujeito”, tendo presente que o termo sujeito se articula e precisa por meio de determinados nexos formalizáveis, segundo os quais na sua origem, o sujeito, ao menos o sujeito definido, articulado na incidência na qual se interessa, é dizer, o sujeito que nos é necessário para dar lugar à realidade. Porque é esta ordem a que determina o inconsciente. Na medida em que necessitamos de um sujeito que não nos leve a metáforas banais nem a margens de erro para definir o inconsciente, esta estruturação do sujeito nos obriga, por assim dizer, a não considerá-lo feito de mesma matéria que o objeto “a”. “matéria” é um termo que se tem que entender literalmente. Por princípio, nos referimos aqui a algo que nos tem induzido a contruir, nestes últimos anos, uma topologia. Por tanto, a relação de objeto não se coloca ao nível da intersubjetividade, enquanto esta, por exemplo, fica incluida na dimensão da “receprocidade” ( na psicologia de Piaget, a intersubjetividade é absolutamente fundamental e transcedental). Tem sido necessário determinar o tipo de forma, de modelo grosseiro, em que se articulava o pensamento dos analistas médicos ( que são pessoas, posso afirmar, as quais faltam muitas das dimensões da cultura). No período de entreguerra foi introduzida a noção de intersubjetividade, como uma espécie de barreira de fumaça, ou como uma ponte em direção a um problema de outra espécie, para quem se tinha dado o trabalho de ler Freud: o da estrutura intrasubjetiva. Mas esse termo, enquanto contrapõe “intre” e “intra”, pode nos conduzir a um beco sem saída e a identificações aproximadas; como, por exemplo, considerar as estruturas intruduzidas por Freud com tanta finura e precisão de detalhes (o Ego, o ideal do Ego, o Superego, etc), comunidades autônomas funcionando dentro de que sei lá que sistema, talvez de um “âmbito comum” não melhor identificado ( e que conviria chamar de sujeito). Por este motivo, vemos aqueles que acreditam fazer progredir a psicanálise, chamando estas estruturas, segundo contexto angulo-saxão, de “Self”. Seja como for, estas não poderiam, de modo algum, fundamentar-se no conceito de totalidade que alguns autores - e autores célebres, que mesmo criativos dentro do campo analítico – têm promovido para dar provas de que sei lá que tipo de abertura mental, ou para pôr “à la page” algumas idéias que no campo fenomenológico estão mais ou menos no ar. Na realidade, não existe nada tão contrário à experiência especificamente análitica, nem tão eficaz, para ocultar sua verdadeira originalidade. Numa palavra, a relação de objeto situa-se, não no plano intersubjetivo, senão no plano das estruturas subjetivas, que seriam as que nos conduziriam às questões da intersubjetividade.

P.C.: Ao falar de relações entresubjetivas me referia, mas que a Piaget, à terceira parte do “Ser e o Nada” de Sartre³, que o senhor o cita no ensáio de seu livro. Devo dizer que me referia, sobre tudo ao sentido da “ dialética existêncial” e do “olhar objetivante”.

J.L.: como pude assinalar ao tratar do termo subjetividade, no que se refere à estruturação subjetiva, poderia se articular de forma bastante precisa, o que separa minha “formalização” da “formalização” do jogo das consciências de Sartre ( embora ele, provavelmente, não aceitaria o termo “formalização”). Indiquei que aquele texto sartriano é extraordinariamente rico de sínteses brilhantes e sugestivas, por exemplo, do “vivido” na relação sádica e, em geral, de determinado tipo de relações qualificadas de “perversas”. Do ponto de vista clínico, seria mais fácil demosntrar que tudo isso é simplismente falso, porque não basta fazer uma espécie de produto sintético, uma síntese artificial de algo sobre o que se tem dados de compreensão recolhidos não se sabe de onde, se dúvida de uma introspecção própria; não basta reconstruir corretamente a estrutura. Por exemplo, aquela forma de viscosidade, ao nível de algumas intecionalidades corruptas, de que se falava Sartre, não faz parte, de modo algum, do que se pode observar dos autênticos sádicos.
- Numa palavra, é literatura.

P.C.: Uma literatura muito sedutora, estimulante, e que na verdade serve para sugerir a existência de seu controle; equivale a dizer que é uma espécie de iniciação, uma experiência exemplar.

P.C.: Todavia, quando se controla, descobre-se que é falsa.

J.L.: Sim e para explica-la é necessário uma introdução muito diferente.

P.C.: Sua aprovação se limita ao “Ser e o Nada” ou acredita, o senhor, que pode ser estendida, de uma maneira geral, `a impostação fenomenológica do problema?

J.L.: Veja, eu não devo fazer nenhuma reprovação global à fenomenologia; a fenomenologia pode ser muito util conforme a sua aplicação. Por outro lado, pode-se dizer que há tantas fenomenologias quanto fenomenólogos. Porém, agora, me referia à fenomenologia que se perfila em alguns capítulos do “Ser e o Nada” , nos que Sartre pretende captar uma experiênciaq vivida, como o exemplo do erotismo perverso. O resultado é de grande qualidade e, por si só, justifica que se deva recorrer a uma formalização que não se tem limiote ao registro da intersubjetividade do “Ser e o Nada”.

P.C: O senhor já se referiu à relação que nos liga ao seio materno, relação que já foi analisada por Melaine Klein e seus dicípulos. Que opinião tem desta escola pós-freudiana? Que sentido tem seu “retorno a Freud”, levando-se em conta que o senhor rejeita de cara as sucessivas contribuições Às formulações freudianas?

J.L: Em relação a Melanie Klein, não podemos falar de nenhum modo de psicanálise pós-freudiana, a não ser se dermos ao prefixo “pós” um sentido meramentecronológico. “Pós-freudiano” diz-se quando atinge a uma etapa ulterior, da esma maneira que se fala de uma época pós revolucionária ( que ninguém tem visto ainda). Se pode dizer: a Revolução já terminou e os problemas que aparecem são de outra índole; porém, estamos muito longe desta situação. Melanie Klein se mantém no trilho da experiência freudiana, e o fato dela polemizar com Ana Freud, não quer dizer que não fora freudiana, e quase mais freudiana que a outra. Em si, a psicanálise infantil constituiu um campo que apresenta dificuldades de relação muito especiais com respeito à psicanálise freudiana. Poderíamos dizer que o anafreudismo vem a ser a introdução maciça de uma estrutura pedagógica dentro da experiência específicamente analítica; todavia, Melanie Klein conserva a pureza de tal experiência, no mesmo nível da psicanálise infantil.

P.C.: O senhor utiliza o termo “pedagógico” no sentido ético-formativo?

J.L.: Não propriamente, senão no sentido de uma identificação que tende aos fundamentos, às técnicas, aos procedimentos que tem numa finalidade normativa, que fazem passar a experiência vivida da criança, por uma série de fase tipicamente educativas. Estas finalidade estruturam a experiência direta de Ana Freud. Melanie Klein, mantém na criança a pureza da experiência e centra sua investigação na descoberta, na prospecção e na manipulação do fantasma. É Indubitável que fez verdadeiras descobertas, que podem ser chamada de pós-freudianas no sentido de serem acrescentadas às experiências de Freud. Mas, por outro lado, também é indubitável que se tenha expressado em termos que teóriamante são atacáveis, porque num certo sentidoresultam demasiadamente aderidos ao seu empirismo e não podem assumir sua situação exata. Assim, da maneira que Melanie Klein teoriza a “funçaõ do fantasma” em suas etapas primitivas, com tudo ao que se refere ao corpo da mãe e à inclusão precoce do Édipo como tal, entre os fantasmas do recém-nascido, a única coisa que se pode dizer é que se trata de teoria tão insustentáveis que chegam a inspirar respeito. Quero dizer, que é admirável que estes fenômentos a obriguem a forjar teorias inpensáveis, e que ela aceite forja-las, já que, em definitivo, as teorias tem que se submeter aos fatos. Mas adiante, as teorias se fazem mais inteligíveis e convincentes, pela intervensão de quem teoriza. Mas, antes de tudo, é preciso registrar, como faz Melanie Klein, o dado observado; porém ao nível do empirismo, um dado não se define por si mesmo (isto nos levaria longe). Em outros termos, os frutos da experiência de Melanie Klein e de sua escola ficam no resultado alcançado.

P.C.: Em todo caso, um resultado freudiano.

J.L.: Certamente. E perfeitamenteintegrável nos termos freudianos. Embora eu não tenha dedicado a ele uma maneira especial.

P.C.: E na psicanálise pós-freudiana, o senhor vê contribuições além das de Freud?

J.L.: Muitas. Por exemplo, a psicanálise aplicada às perversões. Quero dizer que a verdadeira estrutura das perversões deve ser considerada pós-freudiana. Alguns fenômenos mais elabordos, como a função de “objeto transicional” descoberta por Minnicott, são elementos absolutamente positivos que têm sido introduzidos na experiência e que têm uma função muito precisa na teoria. Além disso, há uma grande tendência de investigar a psicanálise nas psicoses, que sem dúvida é pós-freudiana. Pois comprovamos que essas investigações resultam mais eficazes quando se utilizam instrumentos propriamente freudianos.

P.C.: Por outro lado, com seu “retorno à Freud”, o senhor alerta, implicitamente contra autores, livros, teorias que, segundo o senhor, corrompem o sentido originmário do freudismo.

J.L.: Poderia colocar muitos exemplos.

P.C.: Cite alguns.

J.L.: Como se sabe, a maior parte dos meus combates foi contra os cículos dirigentes da “Sociedade Psicanalítica Internacional”, que depois da guerra mecolocarm numa situação muito especial. Minha oposição é categórica, agressiva e acentuadaperante uma teoria e uma prática totalmente centradas nas doutrinas chamadas do “Ego autônomo”, que dão à função do Ego o caráter de uma “esfera livre de conflitos”, como eles a denominam. Este Ego, em substância, vem a ser o Ego de sempre, o Ego da psicologia geral e, consequentemente, nada do que se pode discutir ou resolver sobre ele é freudano. Simplesmente, é uma maneira escamoteada e autoritária, não de incluir a psicanálise na psicologia geral como pretendem, senão de levar a psicologia geral ao terreno da psicanálise e, em definitivo, de fazer com que esta última perca toda sua especificidade. Aqui me vejo obrigado a fazer um resumo pouco preciso. Não posso deixar de insistir sobre o que representa o grupo de New York, constituído por personagens que provêm diretamente do ambiente alemão – Heinz Hartmann, Loewenstein, Ernest Kris (já morto) -, os quais, por assim dizer, se aproveitaram da grande diáspora nazi para impor, na América, com toda autoridade que derivava do fato de procederem daquele lugar benemérito, o que absolutamente adequada a uma sociedade que, neste aspecto, estava esperando que os Magos a intimidassem. Para suas teorizações encontraram, inclusive, excessivas facilidades e sulcos tão traçados por uma tradição, para não tirar benefícios extraordinários de caráter pessoal. Em uma palavra, trata-se de uma traição muito clara ao que continuam sendo os descobrimentos peculiares de Freud.

P.C.: Mas quando se fala de psicanálise na América, os não-especialistas pensam, sobretudo, em outros nomes. Por exemplo, em Marcuse e em Norman Brawn.

J.L.: Marcuse é uma personalidade cultural muito simpática e engenhosa. Sem possuir uma autêntica autoridade científica baseada numa experiência psicanalítica pessoal, teve a audácia de imaginar e de submeter a julgamento as práticas e, e inclusive, os princípios de nossa sociedade, ao nível, por assim dizer, de um Eros mais sadio. É preciso reconhecer que suas doutrinas não tem grande importância do ponto de vista especulativo. É certo que, nesta direção podem desenvolver análises particulares e propor perspectivas esclarecedoras para explicar alguns aspectos de nossa prática social, especialmente, no campo dos costumes e, com certa dosagem, quando se aborda o problema do erotismo. São teorias muito interessantes no aspecto descritivo, porém, não conduz a nenhuma análise estrutural autêntica, nem a nenhum resultado útil, na transformação de alguns aspectos de nossa civilização.
Nossa civilização parece cada vez mais condicionada por uma série de processos inertes e, além disso, por certo tom, por assim dizer, difundido graças a uma espécie de economia do erotismo; elementos regidos por leis que estão muito longe de poderem ser individualizadas por meio de simples especulações teóricas.

P.C.: Acredita o senhor, então, que o propósito de aplicar a psicanálise à civilização e à história (e à antropologia, segundo as pegadas de Geza Roheim, está destinado ao fracasso?

J.L.: Não, embora fosse conveniente examinar as coisas num nível mais radical, mesmo que seja apenas para entender o sentido em que pode ser exercido o controle de qualquer espécie de fenômeno no plano coletivo.